RIO – Dez meses depois de causar comoção no meio artístico ao anunciar que iria rever o projeto de lei de direito autoral formatado pelo ex-ministro da Cultura Juca Ferreira em seus últimos dias no cargo, a ministra Ana de Hollanda encaminhou à Casa Civil no fim de outubro sua versão final do projeto.
O envio do documento, feito após aprovação de um grupo interministerial, transcorreu sob total sigilo, obedecendo a uma determinação do Ministério da Cultura (MinC).
Nesta semana, O GLOBO teve acesso ao projeto de lei proposto por Ana e a toda a documentação que o acompanhou — uma carta de apresentação do tema endereçada à presidente Dilma Rousseff e assinada pela ministra e todas as notas técnicas, que explicam os pormenores das mudanças propostas na lei.
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O conteúdo do projeto final surpreende pelo alto grau de semelhança com a versão que havia sido proposta pelo ex-ministro Juca Ferreira no fim de 2010. Em quase um ano de trabalho, sofreu alteração substancial apenas cerca de 15% dos artigos, incisos e alíneas.
Em linhas gerais, a lei submetida pelo ministério à aprovação da Casa Civil segue três direções. Primeiro, pretende corrigir erros conceituais que embaralham a interpretação da legislação atual (a de número 9.610, de 1998) e sobrecarregam a Justiça de processos. Depois, busca incluir informações que haviam sido omitidas ou descritas de forma insuficiente na lei em vigor. Por fim, dá ao MinC o poder de supervisionar as entidades de gestão do direito autoral do país, apesar de não lhe permitir cassar a licença de funcionamento dessas instituições. Apenas o Judiciário poderá fazê-lo.
Entre outros pontos (leia mais no alto da página), o projeto da ministra propõe o direito à chamada “cópia única” — aquela que permite ao dono de uma obra comprada legalmente realizar uma cópia dela, sem fins lucrativos, em todos e cada um dos suportes ou formatos existentes, sem que seja preciso pedir autorização do autor ou pagar-lhe o respectivo direito autoral. O dono de um CD, por exemplo, está livre para copiar as faixas para seu próprio computador, iPod etc. No universo acadêmico, permite reproduzir “trechos” de obras (e não mais “pequenos trechos”, como hoje). Autoriza também a cópia para conservação (como a digitalização de livros numa biblioteca); e a execução livre de músicas no interior de templos.
Sobre a supervisão estatal das entidades que recolhem e pagam os direitos dos autores, entre elas o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) — alvo de CPIs no Senado e na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro —, a lei define: para poder funcionar, essas instituições precisarão ser cadastradas pelo ministério e validar anualmente esse cadastro apresentando documentos que comprovem seu funcionamento.
O novo projeto propõe também que “os dirigentes das associações de gestão coletiva e dos escritórios centrais respondam solidariamente, com seus bens particulares, por desvio de finalidade ou inadimplemento das obrigações com os associados”, desde que haja comprovação judicial.
Além disso, pelo projeto de Ana, essas entidades passariam a cobrar dos usuários de obras autorais protegidas um valor proporcional ao uso real que fazem delas. E não mais um percentual estimado, como costuma acontecer atualmente. O documento também sugere a criação de um cadastro único de obras, um banco de dados centralizado e administrado pelo MinC, que substituiria todos os outros existentes hoje — como os das escolas de Música e Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o da Biblioteca Nacional, entre outros.
Em resumo, a nova lei se apropria de grande parte do trabalho realizado pelas gestões anteriores do MinC no quesito direito autoral e confirma a suspeita de que provocará polêmica quando chegar ao Congresso, passo seguinte à passagem pela Casa Civil. Na carta de apresentação que a ministra enviou a Dilma junto com o projeto, o alerta é claro:
“Há disputas e conflitos de interesses envolvidos no presente projeto”, escreve Ana. “Buscou-se contemplar de forma equilibrada as diferentes demandas e críticas.”
No mesmo texto, a ministra defende de forma contundente a atualização da Lei 9.610/98. Chega a avisar que o país corre o risco de ser constrangido internacionalmente se não fizer nada a respeito da lei de direito autoral.
O Brasil pode ter “suas políticas comerciais questionadas e mesmo sofrer retaliações comerciais”, ressalta Ana, na última página. “É imperativo superar o vazio institucional do Estado. (…) A ausência de ação executiva estatal tem fomentado relações assimétricas no âmbito desse direito privado.”
Para entender as modificações propostas pelo MinC, O GLOBO procurou especialistas em direitos autorais — acadêmicos, juristas, gestores e políticos que vêm estudando o assunto — e lhes encaminhou a documentação obtida. Fora o Ecad, que preferiu “só se pronunciar após a apresentação do texto final da proposta”, todos os demais chegaram a uma mesma conclusão: o projeto tem o DNA de Juca Ferreira e o potencial de colocar o Brasil no mapa do direito autoral contemporâneo.
Mas ainda pode haver uma reviravolta na novela. Se os técnicos da Casa Civil não liberarem o texto até a virada do ano, o movimento periga coincidir com a reforma ministerial que a presidente Dilma deve promover nos primeiros meses de 2012. Procurado pela reportagem, o MinC preferiu não falar. Nem o ministério nem a Casa Civil informaram se a lei brasileira permite que o projeto seja novamente revisto por um possível substituto de Ana.
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/ana-de-hollanda-segue-juca-ferreira-nos-direitos-autorais-3323719
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