terça-feira, 18 de outubro de 2011

O que é Cineclube?

Texto base por Felipe Macedo, com informações complementares de João Baptista Pimentel Neto.
Cineclube é uma associação sem fins lucrativos que estimula os seus membros a ver, discutir e refletir sobre o cinema.
O cineclubismo surgiu nos anos 20 do século XX.
É preciso compreender o que é um cineclube – até porque a confusão gerada em torno do conceito favorece justamente uma visão em que os cineclubes não têm um papel muito claro. Sua importância se dilui quando não se conhecem seus objetivos, suas realizações, como sua estrutura específica se estabelece e opera dentro das comunidades e do processo cultural.
Quando a imprensa e outras instituições formadoras de opinião confundem o Serviço Social do Comércio, um circuito de salas de arte ou mesmo uma cinemateca com os cineclubes, podem, de fato, estar ocultando uma série de conteúdos exclusivos dos cineclubes, escondendo uma visão ideológica que não quer reconhecer certos potenciais “subversivos”, transformadores, do cineclubismo. Confundem os conceitos. O mesmo acontece quando chamam as (verdadeiras) rádios comunitárias de rádios piratas.
O dicionário define cineclube como uma “associação que reúne apreciadores de cinema para fins de estudo e debates e para exibição de filmes selecionados”, mas a imprensa e o senso comum amesquinham esse sentido e tratam o cineclubismo como uma atividade de mero lazer cultural, fomentada talvez por algum tipo de nerd, um tipo de fanático juvenil amante do cinema. Ou como um sinônimo de sofisticação do consumidor, uma espécie de grife que adorna desde sessões especiais na televisão até salas “diferenciadas” que exibem os filmes com expectativa de público menor. Misturando um pouco de cada, também chamam de cineclube às beneméritas iniciativas de organizações culturais, educacionais, patronais e paternais voltadas ao atendimento de variadas comunidades. É claro que todas essas atividades têm seu lugar, sua necessidade, seu público dentro da sociedade. Nada contra. Mas cineclube é outra coisa.
Os cineclubes têm uma história própria, que liga a evolução do seu trabalho às diferentes situações nacionais, culturais e políticas em que se desenvolveram. Há vários tipos de cineclubes, alguns predominam em determinados países, em certas conjunturas. Em situações diferentes suas formas de organização e atuação também variam.
Os cineclubes surgiram nitidamente em resposta a necessidades que o cinema comercial não atendia, num momento histórico preciso. Assumiram diferentes práticas conforme o desenvolvimento das sociedades em que se instalaram. Mas assumiram uma forma de organização institucional única que os distingue de qualquer outra.
Para começar, e como diz o dicionário, cineclubes são associações. Hoje se diz ONG também, um conceito menos preciso, surgido no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas), que designa organizações não governamentais. Na prática é mais ou menos a mesma coisa. Cineclubes, portanto, são associações, organizações que associam pessoas em torno da atuação com cinema. Mas são mais definidos que apenas isso.
Três características, quando juntas, são exclusivas dos cineclubes, os distinguem de qualquer outra atividade com cinema e, ao mesmo tempo, abrangem uma ampla gama de formas e ações que os cineclubes desenvolveram nos mais diferentes contextos. Duas delas são muito simples e claras, só se encontram, juntas, num cineclube, e não existe cineclube onde essas características não estiverem presentes. A terceira, menos objetiva, deriva das duas primeiras e pode variar bastante de entidade para entidade, conforme a orientação predominante, mas é o que imprime direção à base organizacional definida pelas outras duas “regras” e o que dá conteúdo e objetivo, atualidade e personalidade ao trabalho do cineclube. São elas
O cineclube não tem fins lucrativos. O cineclube tem uma estrutura democrática. O cineclube tem um compromisso cultural ou ético.
Essas três “leis” do cineclube excluem todas as outras formas de atividade com cinema que o senso comum e a ausência de reflexão identificam como cineclubes. E permitem, simultaneamente, que identifiquemos uma mesma longa e coerente herança histórica entre instituições que assumiram as mais diversas formas de organização e de atuação, mas que são cineclubes.
Os “cinemas de arte” têm dono, e seu objetivo maior é o lucro. Cumprem um importante papel no cinema e no mercado, mas são empresas, não associações. Museus, entidades educacionais, assistenciais e outras que exibam filmes, contratam ou nomeiam responsáveis; podem ser iniciativas boas, justas, eficientes e necessárias, mas, a rigor, não são democráticas. Vejam bem, nem toda instituição deve necessariamente ser democrática. Com freqüência, a especialização, a experiência, ou a existência de fins muito precisos, determinam a necessidade de dirigentes escolhidos por outros critérios, que não devem ser considerados antidemocráticos.
Por outro lado, a prática da democracia como forma mesmo de organização, estabelece outra dinâmica estrutural, outra forma de atuação. A busca do lucro também, a competição no mercado, foi o que até hoje assegurou o nível de universalidade que o cinema – e outras formas de exibição – atingiram. O cinema comercial, a televisão e, por enquanto em menor medida, a Internet, em que pesem seus aspectos negativos, constituem a cultura popular por excelência, e o canal mais amplo – portanto de certa forma mais democrático – de informação e participação do conjunto da população. Assim, o que importa aqui é determinar essa diferença, a particularidade do cineclube, não fazer um juízo ético.
Num cineclube, os responsáveis pela sua orientação são necessariamente eleitos. A representatividade, a forma de se organizar essa democracia, como em qualquer outra democracia representativa, não costuma ser perfeita: podemos encontrar casos de cineclubes com uma “panelinha” dirigente, assim como os que são geridos, trabalhosamente, por decisões de assembléias bem numerosas. E todo tipo de situação intermediária. Mas, de um jeito ou de outro, os dirigentes são trocados periodicamente, segundo a avaliação de seu desempenho e da direção que imprimem à entidade. É isso que dá aos cineclubes uma grande mobilidade e adaptabilidade, historicamente e nos mais diversos ambientes sociais. Os cineclubes têm essa característica orgânica, a democracia, que lhes permite superar a estagnação.
Não ter fins lucrativos é outro elemento fundamental. É claro que a busca do lucro restringe o alcance de qualquer atividade, quando não sacrifica, em maior ou menor grau, sua qualidade. Basicamente os empreendimentos comerciais orientam sua ação pela realização do lucro, eliminando qualquer aspecto que dificulte, postergue ou reduza este objetivo. A tendência predominante na atividade comercial é a repetição das experiências consagradas, lucrativas e a manutenção do status quo. Além disso, apropriação do lucro por uma pessoa ou grupo de pessoas é a base mais fundamental da nossa sociedade de classes. No cineclube, ainda que ele produza superávits financeiros com as suas atividades, esses resultados têm (até por lei) que ser reinvestidos na própria atividade: são, portanto, apropriados pela comunidade. Nesse sentido, o cineclube não é uma instituição tipicamente capitalista.
O que nos leva à terceira “lei”: organizado com base na mobilização de seus associados em função de um objetivo não financeiro, os cineclubes se voltam para fins culturais, éticos, políticos, estéticos, religiosos. Quase sempre realizam, de alguma forma, mesmo parcialmente, seus objetivos. Ou seja, os cineclubes produzem fatos novos, interferem em suas comunidades, contribuem para mudar consciências e formar opiniões, mobilizam. Não raro, são as sementes que chegam à floração de cineastas e outros artistas; crescem como instituições, transformando-se em museus, cinematecas, centros de produção; criam o caldo de cultura para mudanças culturais, comportamentais, para a geração de movimentos sociais. Os cineclubes produzem e modificam a cultura.
Estas três características também estão consagradas na legislação da maioria dos países. No Brasil, desde o final dos anos 60, com a Lei 5.536 (de 21/11/68) e, mais tarde, com as conquistas obtidas pelo movimento cineclubista organizado, com a Resolução nº 30 do Concine (1980), os cineclubes tinham de ser “associações culturais sem fins lucrativos”, que aplicassem seus recursos exclusivamente em suas atividades culturais cinematográficas (também definidas na legislação). Um parágrafo, em especial, define com muita clareza o que é não ter fins lucrativos: os cineclubes “não podem distribuir vantagens pecuniárias a sócios, dirigentes ou mantenedores”. Ou seja, as entidades podiam gerar e gerir recursos de várias naturezas, desde que os aplicassem exclusivamente nos seus próprios objetivos. Todos, entretanto, que dispusessem de poder dentro da instituição – sócios, dirigentes e mantenedores – não poderiam usufruir desses recursos. A legislação mais recente distingue “vantagem pecuniária” de outros pagamentos – que não seriam “vantagens”, mas justas remunerações quando há trabalho prestado. Isso varia um pouco segundo a forma de associação constituída, mas o pagamento de dirigentes não é estimulado e, havendo remunerações, devem estar de acordo com os padrões regionais similares e são sujeitas as verificações.
Infelizmente não é raro que o cineclubista estreante desconfie de estatutos e regulamentos que rejam a atividade dos cineclubes, vendo nisso um constrangimento, uma limitação, mera burocracia, em vez de perceber que são exatamente essas regras que asseguram o controle democrático da entidade e que, na verdade, garantem e consolidam a possibilidade do cineclube ser criativo.
Há mais um aspecto fundamental dessas três leis. As duas primeiras identificam todos os cineclubes entre si, excluindo outras formas de organização. Elas são a base fundamental para a estruturação de um movimento, com identidade de organização e interesses iguais. Historicamente as entidades representativas de cineclubes – comissões municipais, federações regionais e o Conselho Nacional de Cineclubes – incorporam essas mesmas características fundamentais.
Se as duas primeiras características aproximam e identificam os cineclubes, é justamente a terceira que os distingue, que permite que suas formas de atuação possam ser tão diferentes umas das outras, ricas, vivas, criativas. E que os cineclubes tenham tanto em comum, desde o cinema mudo até as formas mais modernas de diálogo do público com a imagem, que estaremos sempre criando. Com projetores a carvão ou imagens digitais, em telas de lençol ou de plasma.
Os cineclubes foram responsáveis pela formação cinematográfica de grandes cineastas, entre os quais se podem destacar Glauber Rocha, Cacá Diegues, Jean-Luc Godard e Wim Wenders
Um dos primeiros cineclubes em Portugal foi o Cineclube do Porto.
No Brasil o Movimento Cineclubista experimenta um processo de intensa rearticulação resultando na reorganização do CNC – Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, entidade cultural sem fins lucrativos, filiada à FICC – Federação Internacional de Cineclubes

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